Negromonte investiga a matéria e suas transformações, dissolvendo hierarquias entre forma e significado, presença e ausência, em uma prática que dá corpo ao tempo e expõe a transitoriedade do mundo.
“O desejo de quem sabe um pouco e quer saber um pouco mais.” Essa busca contínua, guiada pela curiosidade e pela intuição pode ser considerada um dos pilares da produção de Nydia Negromonte, artista que ocupa a sala expositiva II da Galeria Lume a partir do dia 15 de Março com sua individual “A parte que suporta a parte”. Com texto curatorial de Mariana Leme, a artista investiga as relações como parte constitutiva da existência, e sugere que a autonomia de um objeto, da história de um sujeito e da própria arte é uma convenção, e não uma realidade.
Com profundo interesse pela matéria que estrutura todas as coisas, Negromonte propõe um deslocamento dos significados tradicionalmente atribuídos a elas, abstraindo sua forma, função, nome e significado. Sua pesquisa convida à observação atenta da matéria, dissolvendo hierarquias entre as palavras e as coisas e desafiando expectativas de significados aparentes, durabilidade e autossuficiência. “Todos os rios e oceanos são feitos de água, mas cada um é particular”, escreve Mariana Leme no texto “Debaixo de tudo”, feito para a mostra “Desenhos são como sementes debaixo de tudo”, individual da artista apresentada em Belo Horizonte (2024).
A obra “Posta”, que integrou outras importantes mostras, como a 30ª Bienal de São Paulo, reaparece em “A parte que suporta a parte” sob nova configuração. Antes apresentada sobre longas mesas de madeira, agora se acumula no chão: hortaliças revestidas de argila porcelana ocupam o espaço expositivo, revelando, ao longo do tempo, seu processo de transformação. Durante a exposição, frutas, legumes e tubérculos brotam, desidratam-se e apodrecem, tornando visível a impermanência da matéria e expondo a investigação de Negromonte à tal transitoriedade, dando forma ao tempo.
O desenho surge como um desdobramento dessa investigação, assim como suas instalações e experimentações com materiais efêmeros, a série “Umbra” parte da observação de objetos e suas sombras, criando superfícies bem delimitadas de cor, mas que se formam entre matéria e luz, fazendo com que a referência da matriz do objeto real seja praticamente perdida.
Nydia Negromonte propõe um olhar que ultrapassa a forma imediata das coisas, explorando os limites entre presença e ausência, materialidade e vestígio. Sua prática revela um mundo em constante fluxo, no qual matéria e imagem, permanência e impermanência se entrelaçam. Em “A parte que suporta a parte”, sua investigação não apenas dá corpo ao tempo, mas também nos convida a experimentar suas camadas, onde cada transformação — seja no traço do desenho ou na decomposição da matéria — reafirma a impossibilidade de fixar o mundo em uma única definição.